"Ele segue sempre agarrado todos os dias aos livros que de que gosta", testemunha a mãe. Na história da famĂlia, tal como os livros, a vida real fez com que a pesquisadora mergulhasse em outras paisagens. "Meu filho me deu uma oportunidade de conhecer outro mundo. O autismo do meu filho me evidenciou que a dificuldade de comunicação e socialização não é só do autismo. Pelo contrĂĄrio, é da sociedade em se comunicar com ele, e de todos se comunicarem entre si".
Afinal, a literatura é feita da imaginação. Por isso, conforme a pesquisadora, melhor serĂĄ que o quanto antes as crianças tenham acesso às pĂĄginas de um livro. "Onde o seu horizonte se expanda, o quanto antes antes vocĂȘ começa lendo para criança e ela busque novos significados sobre o mundo (seja ela com deficiĂȘncia ou não) maiores oportunidades essa pessoa terĂĄ de ampliar as experiĂȘncias de vida". Isso inclui criar vĂnculos afetivos, organizar as emoções, pensar e respeitar as diferenças que existem entre cada um de nós.
O menino via a mãe também agarrada aos livros e logo se apaixonou pela leitura de obras de autoras como, por exemplo, as escritoras brasileiras Ana Maria Machado (com Menina bonita com laço de fita) e de Ruth Rocha (Bom dia, todas as cores). Ela argumenta que a inclusão real se faz com a não exclusão. Todos devem estar em um mesmo ambiente, e não isolados. "A inclusão envolve a diversidade. Por isso, as pessoas devem estar em conjunto porque a sociedade é diversa. As pessoas com deficiĂȘncia precisam participar de todos os espaços com todas as outras pessoas, com ou sem deficiĂȘncia".
Sob essa ótica, um projeto de inclusão no Distrito Federal denominado Letrinhas da Paz tem buscado integrar crianças com alguma deficiĂȘncia com os outros pequenos. A idealizadora do projeto social, Lyara Apostólico, diz que a meta é sensibilizar e formar pĂșblico leitor da primeira infância com deficiĂȘncia auditiva, visual, motora e mental.
"Somente na Ășltima Bienal Internacional do Livro de BrasĂlia (em outubro do ano passado), 350 crianças participaram de ações de sensibilização e encontros lĂșdicos. Atualmente, o projeto tem tratado de capacitar profissionais da educação e assistĂȘncia social no DF em metodologias inovadoras para leitura com crianças com deficiĂȘncia", diz a coordenadora das atividades.
A iniciativa fez sucesso e foi contemplada pelo Fundo de Apoio à Cultura (FAC), na categoria Primeira Infância, tendo recebido recursos de R$ 194,7 mil.
Lyara Apostólico defende que todo livro pode ser acessĂvel. "Mas, para isso, é necessĂĄria uma mediação amorosa que trabalhe com um conjunto de estĂmulos criativos. Mais do que mediadores de leitura, a literatura infantil inclusiva requer a atuação de recontadores de histórias", aponta a idealizadora do Letrinhas da Paz, especialista em projetos sociais.
Um dos livros utilizados pelo projeto foi o Bola Vermelha, de Vanina Starkoff. "Como contar a história de uma bola vermelha para uma criança com deficiĂȘncia visual?". A partir desse desafio, criamos um jogo com bolas texturizadas, que faziam as crianças vivenciarem, de forma lĂșdica e afetiva, a mesma lógica apresentada no livro".
Para ela, o livro infantil deve ser inclusivo não apenas em relação às deficiĂȘncias, mas também em relação à diversidade social e humana. "A infância é dominada por princesas brancas, frĂĄgeis e indefesas, por padrões estéticos Ășnicos, pela difusão de comportamentos de gĂȘnero e, muitas vezes, de estereótipos que se perpetuam hĂĄ gerações", pondera.
Para romper com os estigmas, a ex-promotora de vendas Edna Rocha Lima, de 39 anos, moradora de Montes Claros (MG), foi para a faculdade de pedagogia ao descobrir que o filho recebeu o diagnóstico do autismo. O garoto, hoje com 12 anos, foi estimulado desde os tempos de banheira de bebĂȘ a manusear livros de plĂĄstico.
As histórias de patinhos e de outros bichinhos fizeram com que o garoto se tornasse, hoje, um "leitor voraz", que o ajuda a codificar o mundo, nem sempre tão compreensĂvel. A mãe foi chamada para constituir equipe de apoio pedagógico na cidade. "Posso ajudar outras pessoas também com o que estudo e com o que aprendi".
O garoto conta com a parceria do irmão mais novo, de 8 anos, companheiro das leituras e da vida. "Prefiro as histórias de ação", diz por telefone à AgĂȘncia Brasil. Mas a adolescĂȘncia jĂĄ o estimulou a ler toda a série DiĂĄrio de um banana (de Jeff Kinney) e livros que deixam o final em aberto. Afinal, nem tudo se explica com o "era uma vez".
Fonte: AgĂȘncia Brasil